quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"O fundamental é ter uma vida que permita haver espaço para o gesto criador".

Talvez esteja batendo na mesma tecla. Mas a teoria de Winnicott é tão lindamente elaborada, que é tecida aos poucos e tudo tem uma conexão, um início, meio e fim e um começo novamente. Por isso, escrever em miúdos, ou seja, explanando suas teorias aos poucos não seria o ideal pois perde-se um pouco o fio da meada. Mas como aqui é a única maneira, vamos trocar em miúdos que fica fácil de ser digerido e elaborado.

Bem, o que acho mais fantástico e brilhante na obra de Winnicott é essa possibilidade que ele coloca em relação ao sofrimento humano. Para ele, todo aquele que não pode ter uma vida criadora, está condenado ao sofrimento.

A capacidade de criar-se, do movimento de criação é o que dita se um sujeito está numa verdadeira normalidade. O fundamental é ter uma vida que permita haver espaço para o gesto criador. Caso este gesto não seja suprido, há a possibilidade de se psicotizar. Para Winnicott, o que o ser humano busca é o encontro - que é criador. Essa tal criação que o autor aponta não é artística no sentido de ser um "artista". Mas no próprio cotidiano, já que para ele, ser criador é sentir-se vivo enquanto ser humano, que nos faz sentir reais.

O ponto não é se aceito a realidade, mas se me sinto real com ela. Quando isso não ocorre, há o estabelecimento do falso self. Uma "máscara" que o indivíduo utiliza como defesa. Uma defesa psicótica e que assume uma personalidade para o mundo, mas que na realidade não tem existência. O falso self é aquela pessoa aparentemente muito intelectualizada e inteligente. Geralmente segura a pessoa pelo intelecto e boa adaptação das regras, mas à qualquer momento pode ter um colapso, principalmente quando se está na vida adulta.

Quando perto de um indivíduo com falso self não se dá conta do que se passa em sua interioridade. Há um vazio grande pelo gesto onipotente que a mãe não soube oferecer. Por isso a submissão plena nesses indivíduos. Quando bebês submeteram-se a serem o que achavam que a mãe queria que fossem. Para Winnicott a submissão é um enorme problema, pois é o oposto da autenticidade. Quanto mais cedo a submissão, pior o prognóstico.

A psicose sempre será a tentativa de não viver a experiência infernal. Experiência essa insuportável e de forte agonia. Segundo o autor, um bebê que não sente-se cuidado vive essa dor e a psicose o livra disso.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

"uma pessoa para se tornar pessoa, a mãe dá um olhar que espelha a criança como pessoa" - Winnicott

O sujeito saudável para Winnicott transita com a realidade, brinca, joga, mas não é um submisso - porque se assim o fosse, não teria filhos, por exemplo. Nos mantemos vivos, pois temos onipotência ligada à realidade, isto adquirido com o tempo e maturidade. Pra iniciar, a experiência onipotente precisa acontecer. E pra isso, o seio da mãe tem que chegar na hora certa. Isso nem sempre ocorre, mas diante de algumas frustrações, há os momentos que compensam e o bebê vai se moldando àquela mãe e confiando na realidade que lhe é colocada.

O indivíduo esquizofrênico, para Winnicott, tem um pensamento onipotente que vem dessa falta. Do momento que não aconteceu e por várias e várias frustrações, o bebê tende à fechar-se em si, na psicose. Como já citado em algum post, alguém só pode ser alguém se há o cuidado do outro - alguém que vá de encontro. Assim, o psicótico é que é submetido à realidade. Esta, como é difícil, não se resolve, paralisa.

A pessoa que sofre de um transtorno depressivo costuma ter uma visão mais realista. Já o indivíduo bem e saudável consegue transitar a realidade, sem ser sugado por ela. Provavelmente uma pessoa com esperança: "No final vai dar tudo certo". E normalmente, dá tudo certo.

A psicose, então, não é excesso de loucura, mas falta de onipotência segundo o pensamento winnicottiano. A falta do sentimento de proteção que é falha de uma maneira muito radical. Para Winnicott, a psicose é fruto de uma deficiência ambiental. A mãe ou o cuidador mais próximo é esse fruto. No entanto, desempenhar o papel materno de maneira adequada não depende somente disso. A maternagem é um vasto campo até mesmo transgeracional (politicamente, socialmente, etc), já que para uma mulher ter tranquilidade para um bebê, necessita estar numa situação confortável.

Para Winnicott, uma pessoa para se tornar pessoa, a mãe dá um olhar que espelha a criança como pessoa.


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"os sonhos nunca dizem respeito a trivialidades: não permitimos que nosso sono seja perturbado por tolices" - Sigmund Freud.

Como um assunto vastíssimo e de suma importância para a compreensão geral do inconsciente, dar-se-á continuidade à Interpretação dos Sonhos.

Freud colocou que quanto mais rigorosa for a censura, mais amplo será o disfarce dos sonhos e mais trabalhoso o será para o rastreamento de seu verdadeiro sentido. A censura seria uma defesa entre duas instâncias: o consciente e o inconsciente. Essa defesa atuaria "permitindo" ou não que certos conteúdos tenham acesso ao inconsciente. Quando interpretamos os sonhos, a censura vai se tornando menos rigorosa e mais nítido os conteúdos ao sonhador.

Há três importantes peculiaridades interessantes pontuadas por Freud: Primeiramente, os sonhos mostram clara preferência pelas impressões dos dias imediatamente anteriores. Também fazem sua escolha com base em diferentes princípios de nossa memória, já que não relembram o essencial, mas sim, o despercebido. E, por fim, têm à disposição as impressões mais primitivas de nossa infância e até fazem surgir detalhes desse período que nos pareciam caídos no esquecimento.

Freud ressalta que os sonhos podem selecionar o material de qualquer parte da vida do sonhador, contanto que haja uma linha de pensamento que ligue a experiência do dia do sonho com as mais antigas. Embora o conteúdo aparente (chamado por Freud de manifesto) só faça alusão à impressões irrelevantes e detalhes sem importância, o que realmente ocorre é o inverso: "nossos pensamentos oníricos são dominados pelo mesmo material que nos ocupa durante o dia e só nos damos ao trabalho de sonhar com coisas que nos deram motivo para reflexão durante o dia." (p. 184)

É o ato psíquico da censura que faz essa distorção onírica, que seria nomeada de deslocamento. Ou seja, uma forma de se adquirir força suficiente para que o conteúdo entre na consciência. O deslocamento substitui o material psiquicamente importante por um material irrelevante - tanto nos sonhos como no pensamento - já ocorrido, no caso, em períodos primitivos da vida que se fixaram na memória. Estes elementos que eram irrelevantes não serão mais a partir do momento que assumirem o deslocamento.

Freud conclui essa parte ao dizer que não há sonhos "inocentes", à não ser o das crianças e complementa: "os sonhos nunca dizem respeito a trivialidades: não permitimos que nosso sono seja perturbado por tolices". (p. 191). Os sonhos seriam, portanto, como lobos em pele de cordeiro.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

'O sonho é a realização de um desejo' - Sigmund Freud.

Freud foi bastante enfático ao concluir que os sonhos não são fenômenos absurdos, destituídos de sentido ou maluquices nossas. Para ele, são fenômenos psíquicos "de inteira validade - realização de desejos." (p. 141). E são produzidos por uma atividade mental bastante complexa. Após a análise de vários sonhos de seus pacientes e de sonhos próprios, Freud ressalta: "Encontramo-nos em plena luz de uma súbita descoberta". (p. 141).

Diante de tal deslumbramento, Freud também se viu diante de muitas questões pelas quais teria que resolver e convencer: interpretar os sonhos era possível e continha uma cientificidade. E provar que os sonhos se revelavam sem qualquer disfarce, como realizações de desejo, era algo fácil. E dá o exemplo de quando comemos algo muito salgado e sentimos sede à noite. Na necessidade de despertar, o sonho ainda tenta resguardar o sono ao se sonhar que estamos engolindo a água em grandes goles e com um delicioso sabor. O sonho revelaria o desejo de beber e tal desejo é por assim dizer realizado. Caso consiga aplacar a sede sonhando que se está bebendo, não seria preciso despertar para beber água.

Já as crianças sonhariam com substratos de pura realização de desejos. Nos adultos os sonhos revelariam também o levantamento de problemas que necessitariam ser solucionados, mas a natureza essencial representaria a realização de desejos. No entanto, o autor comenta que nos sonhos de angústia parece impossível asseverar tal afirmação. Prontamente explica: "É necessário apenas observar o fato de que minha teoria não se baseia numa consideração do conteúdo manifesto dos sonhos, mas se refere aos pensamentos que o trabalho de interpretação mostra estarem por trás dos sonhos." (p. 152)

Descobriu-se, contudo, que nos sonhos haviam conteúdos manifestos e latentes. O que levou a crer que, por mais angustiado e aflitivo o sonho parecesse, uma vez interpretados, revelariam-se como realizações de desejos. Por quê então haveria tal distorção? Freud revelaria que isso ocorria por conta de nossas defesas. Um defesa contra o desejo, por exemplo, de querer "matar" algúem. O superego numa mente saudável condena tal atrocidade, mas nos sonhos, mesmo em disfarce, tudo é possível. E graças às defesas o desejo é incapaz de se expressar à não ser de forma distorcida.

O autor ainda comenta que se faz isso quase todos os dias, em nosso cotidiano, utilizando-nos da dissimulação. Seria um paralelo social ao disfarce de atos psíquicos que se gostaria de realizar e concretizar.







terça-feira, 21 de setembro de 2010

"todo o estado de espírito de um homem que esteja refletindo é inteiramente diferente do de um homem que esteja observando" - Sigmund Freud.

Continuando sobre a Interpretação dos Sonhos, Freud coloca algo interessante para os que querem levar seus sonhos para o terapeuta. Segundo ele, deve haver alguma "preparação psicológica" da parte do paciente. Basicamente duas mudanças devem ocorrer: um aumento da atenção dispensada às próprias percepções psíquicas e a eliminação da crítica pela qual se filtra os pensamentos que lhe ocorrem.

Freud coloca que é necessário um determinado esforço para que se renuncie à crítica quanto aos pensamentos que vierem à tona. E comenta: "(...) não cair no erro, por exemplo, de suprimir uma ideia por parecer-lhe sem importância ou irrelevante, ou por lhe parecer destituída de sentido" (p. 123). Os pacientes devem adotar uma atitude inteiramente parcial, pois isso é o que irá permitir se chegar ao que o inconsciente necessita denotar. Seja um desejo, uma ideia obsessiva ou afim.

"Tenho bservado, em meu trabalho psicanalítico, que todo o estado de espírito de um homem que esteja refletindo é inteiramente diferente do de um homem que esteja observando seus próprios processos psíquicos. Na reflexão, há em funcionamento uma atividade psíquica a mais do que na mais atenta auto-observação, e isso é demonstrado, entre outras coisas, pelos olhares tensos e o cenho franzido da pessoa que esteja acompanhando suas reflexões, em contraste com a expressão repousada de um auto-observador". (p. 123 e 124)

Belo ensinamento do Dr Freud. Ao refletir, colocamos a crítica em primeiro plano, o que minaria nossa capacidade em sermos neutros e parciais em relação aos nossos pensamentos advindos do inconsciente. A auto-observação, o deixar vir o fluxo de idéias possibilitaria a interpretação. Freud cita o poeta e filósofo Friedrich Schiller, que coloca que a criação poética exigiria essa mesma atitude e diria: "Parece ruim e prejudicial para o trabalho criativo da mente que a Razão proceda a um exame muito rigoroso das idéias à medida que elas vão brotando (...)". (p. 125)

Em miúdos, entende-se contudo, que analisar um sonho é como que um abrir-se para a arte que está por vir de nosso inconsciente. Aliás, a arte é um recurso advindo do insconciente, por isso deve correr solta e livre de julgamentos para que ela possa se mostrar e vir á tona do criador. Para Freud essa atitude acrítica não seria nada difícil. E foi muito bem-vida e fácil para seus pacientes após primeiras instruções.

Como um tema de extrema importância, dar-se-á continuidade em próximo post para que não se torne cansativo.


*referência bibliográfica:  A interpretação dos Sonhos (parte I), volume IV,1900. FREUD, Sigmund. Editora Imago.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

'Interpretar é dar ao sonho um sentido" - Sigmund Freud.

Um tempo pro atual deslumbramento por Winnicott, irei pra outra inspiração: o livro A interpretação dos Sonhos de Freud. Com certeza, um dos melhores, mais reveladores de sua obra. Estou relendo e, como todo bom livro, deparando-me com coisas que me encantam.

Freud deixou claro que "interpretar" não era no sentido fechado, único e final. Mas justamente na busca de um sentido aos próprios sonhos. Para ele todos os sonhos querem dizer algo. Já nos primórdios da humanidade eles eram considerados premonitórios e, muitas vezes, tidos como reveladores de segredos. Nessa tentativa do mundo pelo interesse na interpretação dos sonhos, Freud coloca que haveria dois métodos:

a) 'Interpretação simbólica dos sonhos': considera o conteúdo do sonho como um todo e procura substituí-lo por outro conteúdo que seja inteligível. Segundo o autor, esse método cairia por terra diante de sonhos mais confusos.

Aristóteles, segundo Freud, já dizia que o melhor intérprete dos sonhos seria o homem mais capaz de apreender as semelhanças, pois as imagens oníricas, como as imagens na água, são deformadas pelo movimento e o intérprete de maior êxito é o homem que consegue identificar a verdade a partir da imagem deformada.

b) o segundo dos métodos mais populares é o da 'Decifração': trata os sonhos como uma espécie de criptografia em que cada signo poderia ser traduzido por outro de significado conhecido de acordo com um código fixo - como naqueles livros em que se consultam os sonhos à procura de seus significados. Assim, segundo estas fontes, ao sonharmos com um dente caindo, alguém próximo poderá falecer ou ficar muito doente. Esse método não analisaria, contudo, o sonho como um todo, mas como se fosse um conglomerado em que cada fragmento exigisse interpretação isolada.

Nenhum dos dois métodos convencera Freud e, por isso, não poderia ser empregado numa abordagem científica do assunto. Para o autor, necessitaria um método científico para poder interpretá-los. Essa necessidade em deslindar os sonhos e caminhar para esse estudo, deu-se à partir da análise das estruturas psicopatológicas, como as fobias, histerias, idéias obsessivas e afins. Seus pacientes assumiam o compromisso de lhe comunicar todas as idéias ou pensamentos que lhes ocorressem em relação a um assunto específico. Entre outras coisas, narravam-lhe sonhos. Foi quando Freud descobriu que estes poderiam ser inseridos na cadeia psíquica e rastreados a partir de uma idéia patológica.

No próximo post será abordado o deslindar dessa descoberta.



quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A criança winnicottiana (2)

Dando continuidade a esta série sobre o desenvolvimento da personalidade nas crianças segundo Winnicott, é importante ressaltar que o autor desvendou uma importante patologia: o falso self. Quando não se chega aos extremos quanto aos fracassos ambientais e suas consequentes angústias, como exposto no post anterior, a criança pode tentar suprir a falta "criando-a" artificialmente. O falso self não pode fazer o sujeito sair do mundo irreal em que vive e, por ter origem na falha ambiental, não é do sujeito, mas sim, reativo. Este é um conceito bastante importante e muito comum na clínica. Por isso, merece um post só pra ele. Enquanto isso segue-se as fases do desenvolvimento, que depois da dependência absoluta, vem a dependência relativa.

Esta fase aparece quando a criança já consegue começar a se diferenciar do outro, sabendo que precisa dele. Começa a pedir, consegue receber e percebe que recebeu - isso, claro, numa criança inserida em ambiente bom e saudável. É então que surgem o eu e o não-eu, com a afirmação eu sou – e o reconhecimento dos seres com um interior e um exterior. É o início do conceito de identidade. Um sentir-se real.

Esta sensação é mais do que existir, é encontrar o próprio caminho da existência. A mãe suficientemente boa dá este espaço para o bebê, pois segundo Neto (2009) "(...) consegue captar as peculiaridades de seu ser em movimento e respeitá-las. Não se confunde com o bebê, não impõe seu gesto, empresta seu sonhar para que a individualidade se constitua".

Na realidade, a criança já começa a captar com mais nitidez sua necessidade de desenvolvimento, o que a faz pedir e receber respostas educativas. Quando não atendida, pode chegar a desenvolver uma personalidade borderline. Mas quando tudo acontece de forma boa e saudável chega-se à fase de rumo à independência.

Winnicott coloca que por mais saudável que seja uma pessoa, há situações em que ela ‘sai’, transita em estados de psicose. Por exemplo, se passamos por um acidente grave, ou adoentamos e vamos parar numa UTI, essas situações são potencias para se ter surtos psicóticos transitórios. Pois os traumas são muito fortes e impactantes. Para o autor, o potencial para psicotizar nunca é nulo.

Um bebê na fase de dependência absoluta vai precisar passar por uma “loucura onipotente”, pois esta é uma experiência que evitará a psicose de fato. A sensação de ser Deus, criador do sei que oferta o leite, experiências desconfortantes e carências que são prontamente banidas “magicamente”. A fome e o encontro com o seio é exemplo disso. A pessoa é fome e, depois, a pessoa é paraíso. Para o bebê é sempre e nunca.

Assim sendo, o único jeito de não ser psicótico é poder ter sido “louco”. Que por sua vez, só pode o ser, se tem alguém cuidando e criando o bebê – alguém que venha de encontro e faça essa “mágica”.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A criança winnicottiana (1)

Ao se pensar na criança é importante também pensar no ambiente pela qual está inserida. Para o autor, o ser humano é essencialmente social e vinculado ao ambiente. A base da construção da personalidade se faz perante estudo pormenorizado da relação mãe-filho, influências da família e do ambiente.
Há uma interação em relação ao desenvolvimento emocional primitivo do bebê  e a presença de um ambiente facilitador, para que este desenvolvimento ocorra bem. O percurso vai desde uma fase de dependência absoluta até uma independência total da criança. São três as etapas.

Na primeira, dependência absoluta, a criança se mostra fusionada com o ambiente e não se dá conta de sua dependência, embora ainda absoluta e total. Corresponde a um estado fusional tal que, em uma reunião na Sociedade Britânica de Psicanálise, Winnicott proferiu: "Não existe uma coisa como um bebê (...); se você me mostrou um bebê, você certamente me mostra alguém cuidando do bebê". O sentimento que resulta desta fusão com a mãe é a continuidade do ser.

No entanto este sentimento só se tornará possível sob os cuidados de uma mãe suficientemente boa que possibilite um manejo materno que garanta os afetos e cuidados com uma sensibilidade especial ao bebê. Com este empréstimo do ego da mãe, ele vai se adaptando às necessidades. O que dá início ao processo de elaboração psíquica das funções corporais no próprio ritmo da criança.

Sobre esta fase, Winnicott profere outra frase marcante: "A criança cria o seio e ela deve estar lá onde foi criado". A mãe é que mantém essa onipotência necessária neste período, quando a criança é o seio. De acordo com o desenvolvimento do ego deste bebê, a mãe o ajuda lidar com sua incompletude e, gradualmente, o desiludindo. Para o autor, a mãe saudável (suficientemente boa), sempre sabe e sente as necessidades do seu bebê, o que lhe possibilita condições necessárias para suportar certas etapas.

Quando esta criança é atendida por uma mãe que não é suficientemente boa e/ou um ambiente que não proporcione essa sustenção necessária ao bebê , principalmente nesta fase em que não existe o não-eu, esses fracassos são sentidos como ameaças à existência e "as angústias que os acompanham são impensáveis", segundo Neto, em artigo sobre o autor.  Neto também coloca que tais angústias podem promover no bebê sensações de queda livre, desintegração, perda da unidade e até mesmo a perda da capacidade de relação objetal - como o autismo e poderosas defesas contra a incompletude - como no caso da inveja patológica.


* referência bibliográfica: Constituição do si-mesmo e Transicionalidade. Orestes Forlenza Neto. Revista Mente e Cérebro: Memória da Psicanálise, número 5, 2009.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A psicose por Winnicott.

   Bem, como estou na vibe de Winnicott e preciso externar minha atual adoração, vou embarcar nessa toada.
  
   Donald W. Winnicott, como bem devem conhecer, ia de encontro a este paradigma tratado no post anterior sobre o viés da Psicopatologia Psicanalítica. No começo de sua carreira seu interesse máximo era pela psicose, especialmente pela Esquizofrenia. Essa curiosidade pelo 'anormal' e pelo universo da psicopatia, o teria levado para o interesse na vida infantil e pelos primórdios da vida humana.

   Para o autor, se existe o cúmulo da loucura, este seria o estado de despersonalização. Aqueles fenômenos que na clínica psiquiátrica parecem sem sentido, no bebê podem corresponder a este estado. Uma dor de barriga na criança, por exemplo, era tida como: 'a dor de barriga', excluindo-se sua história de vida. Com a chegada da visão psicanalítica, essa criança passa a ser uma criança com dor de barriga.

   Segundo Winnicott, todos os dias fazemos este movimento de 'não ser' para o 'ser', como quando dormimos e acordamos cansados, é quando não nos refestelamos no 'não ser'. Se ao dormir não se consegue sonhar, seria este, praticamente, um estado de não existência.

   Toda criança passa por este estado, que na primeira infância, seria um estágio. Ao nascer, a criança ainda não se reconhece como tal e pensa ser uma extensão da mãe. É esta mãe que a atende, pois uma criança não consegue sair por ela mesma, mas porque tem um cuidado.

   Geralmente, a presença de um bebê gera nas pessoas o zêlo e a vontade de cuidar e quando essas são emocionalmente sadias, passam a reagir como 'mamães' em torno daquele bebê: a fala modifica (palavras no diminutivo); os gestos (a vontade de afagar, as mímicas); atitudes (o pegar no colo, brincar, etc.). Curva-se diante de um bebê emanando cuidados e afeto. Uma mãe que não é saudável, pode reagir depressivamente ou fora do contexto afetuoso e sem cuidados.

   Vários fenômenos que aparentam ser sentido para os adultos, fazem muito sentido para os bebês. Na visão de Winnicott, diferentemente da visão de Freud e outros, não se trata de entendê-los com base em fases (oral, anal, fálica) mas à regressão de fases do desenvolvimento emocional - não sexual, que para este autor aconteceria mais tardiamente.

   Assim sendo, não se trataria de libido propriamente dita, mas de desenvolvimento emocional do ser humano. Percurso pelo qual uma criança seguirá e necessitará da ajuda do ambiente. Quando isso não acontece, abre-se o campo para a instalação de uma psicose.

  
  

  

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

'...todos os atos, por mais antiéticos e absurdos, pertencem ao acontecer humano'

   Das teorias sobre o sofrimento humano, começamos pela Psicopatologia, que é o estudo do sofrimento psíquico, reflexo do padecer existencial. A psicopatologia não é apenas uma classificação dos diferentes quadros patológicos, mas uma concepção a respeito do que é esse sofrimento humano.

   A Psicopatologia Psicanalítica surge contrapondo-se à Psicopatologia Psiquiátrica, que se forma a partir de um visão do sofrimento psíquico como índice de não compreensão do fenômeno. Ou seja, se alguém tem um comportamento 'incompreendido' este será então pesquisado. Quando não há empatia, compreensão, torna-se patologia. Se há compreensão, há neurose. O que é incompreensível será explicado a partir de uma falha neurológica.

   Na Psicopatologia Psicanalítica não há conduta incompreensível. Há motivações inconscientes que a tornam compreensíveis. Todos os comportamentos têm motivações legítimas, pois todas fazem contexto com o desenvolvimento emocional de um indivíduo.

   Assim, todos os atos, por mais antiéticos e absurdos, pertencem ao acontecer humano. Ou seja, não há 'monstros', mas sim, condutas monstruosas em que qualquer ser humano torna-se capaz de um sordidez. Este olhar não é simples. Implica a visão do ser humano como capaz de muitas atrocidades. Em termos individuais, para a psicanálise, tudo absolutamente imbui a participação do indivíduo.

   Assim sendo, onde não há empatia, não há sentido aparente. Mas irá se descobrir. E todos os comportamentos ligados ao sofrimento correspodem à reedição dos movimentos do desenvolvimento emocional do ser humano. Todas as condutas, tanto as mais sublimes como as mais nefastas, pertencem ao acontecer humano.
  
  

terça-feira, 7 de setembro de 2010

'quero ser eu mesmo e me comportar bem' - Donald Woods Winnicott

Há algum tempo ando lendo muito sobre Winnicott e gostando cada vez mais. Suas teorias são baseadas em experiências clínicas e talvez por isso sejam tão objetivas e certeiras, mas também tão profundas.

Winnicott discute a sanidade por um viés bonito. Elucida dizendo que ser são é ter a capacidade de se manter lúdico diante da vida. Conseguir desenvolver o potencial de evocar a infância e suas brincadeiras, usufruir da vida com mais liberdade, mesmo que isto não resolva seus mistérios. Em miúdos: ser livre, lúdico e gozando dos prazeres.

É um autor cujas descobertas incluíram a importância do ambiente pelo qual estamos inseridos. No entanto, com sua profundidade, era cheio de crenças (inclusive religiosas). Um dos únicos teóricos que tornou possível essa junção entre a crença, a religião e a psicanálise. Em um dos seus artigos, comentou: "quero ser eu mesmo e me comportar bem". Ou seja, conforme seu modo de ser no mundo, suas crenças, mas sempre levando em conta o outro.


quem ele era:

Donald Woods Winnicott nasceu em 1896 numa rica família de comerciantes em Plymouth, na Inglaterra. Conviveu com a presença de uma mãe sufocante e depressiva, o que talvez o tenha influenciado na escolha pela faculdade de medicina e enveredado pelo caminho da psicanálise.  Quando ainda criança, lia muito sobre ciências e sobre as teorias naturalistas de Charles Darwin. 
Quando iniciou na faculdade de medicina,  foi convocado para servir como enfermeiro na Primeira Guerra Mundial, na qual fez as primeiras observações sobre o comportamento humano em situações traumáticas. Especializou-se em pediatria, trabalhando 40 anos em um Hospital Infantil. Paralelo a isto, preparou-se para ser psicanalista. Conheceu as obras de Sigmund Freud, começou a fazer terapia e a participar do grupo de estudos de Bloomsbury - integrado, entre outros, pela escritora Virginia Woolf - em que a psicanálise era tema recorrente. Trabalhou como consultor psiquiátrico do governo, tratando de crianças afastadas dos pais na Segunda Guerra Mundial. Dessa experiência, nasceu grande parte de suas obras. Foi presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise e morreu em Londres, em 1971.



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

da intenção de sua criação.

É comum ouvirmos que a Psicanálise é restrita, às vezes ortodoxa demais ou que dá privilégios para as questões relacionadas à sexualidade. Dependendo do ponto de vista, pode até ser. Mas definitivamente não era esta a intenção de Freud quando a criou.

O ‘pai da psicanálise’ começou a analisar pessoas ainda muito jovem. Em um hospital, atendia os pacientes de uma forma diferente dos outros médicos, pois sempre ia à fundo em questões pessoais que, aparentemente, não tinha conexão com as doenças apresentadas. Foi questionando e relacionando fatos, que Freud se destacou ao descobrir a importância do inconsciente e como este atuava. Com sua mente ávida por descobertas, criou teorias sólidas e básicas para o entendimento do ser humano até hoje.

Ao longo dos anos suas teorias foram acrescidas por novas ideias, pensamentos e maneiras de entender o homem. Novos teóricos, novas mentes despertas pelos mistérios que habitam essa caixinha de surpresas que é o nosso inconsciente. Desmistificar a psicanálise seria muita pretensão. Mas que dá vontade de tentar, isso dá. Mostrar que é mesmo uma grande descoberta, daquelas de quando lemos uma frase de um dos seus teóricos, pensamos: ‘caramba, todo mundo devia saber isso!’.

A intenção talvez seja justamente essa.